A intenção

Saudações,


Como alguém disse me disse uma vez:
"Nascemos sem pedirmos e morremos sem querer, como tal, há que aproveitar o intervalo."
E é precisamente nesse intervalo que devemos estabelecer um dos nossos maiores objectivos: partilhar a nossa história ao maior número de pessoas e quem sabe, com o nosso testemunho partimos conscientes de que não cairemos no esquecimento.
É a minha visão da vida que se vai clarificando pelas experiências que me definem.
Que Deus esteja com todos nós.

Peaceful Warrior
(Peaceful Heart, Warrior Spirit)









sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Santiago Compostela...Wrapping it up

Santiago

Levantei-me perto das 9:30h, preparei-me e fui tomar o pequeno almoço enquanto me dirigia para a praça da Catedral. Aí, sentei-me a ler quando de repente recebo uma mensagem da Toshie a dizer que tinham chegado a Santiago. Rapidamente nos encontrámos e combinámos todos ir à missa do Peregrino ao meio-dia. A caminho da igreja de Santiago demos de caras com o John e logo atrás dele o Sohei. Como fomos todos em caminhos separados, nunca pensei encontrar ninguém... Após a missa fomos almoçar: eu, a Jess, a Toshie, o Sohei e a Nina, uma miúda alemã que a Jess e a Toshie conheceram no Caminho. Estávamos a acabar o almoço quando de repente passam por nós a Eduarda e a Estefânia, sendo essas então, quem não mais esperava ver. Afinal, Deus, Santiago e o Caminho ainda tinham algumas cartas na manga. Aparentemente não era suposto voltarmos a casa sem nos despedirmos convenientemente.
Após o almoço, as miúdas e o Sohei foram fazer o check-in aos respectivos albergues e eu voltei ao meu para ler um pouco. Reunimos novamente para um café e desta vez juntou-se a nós a Gail, uma senhora de 69 anos neozelandesa que veio do seu país para fazer o Caminho. "Aterrámos" num restaurante a beber Alvarinho fresquinho, todos, sem excepção. Quando esse restaurante fechou, encontrámos outro poiso e as miúdas pediram tapas, paelha e claro...vinho. Ficámos ali a rir e a conviver de forma mágica, entretanto a Gail vai embora e eu fui pouco depois. Não queria ir, tal como disse a Toshie, vai ser difícil voltar à vida do dia-a-dia, a uma rotina vazia de sentimento e propósito. Senti aquelas palavras... O que todos tínhamos vivido e experienciado nestas ultimas duas semanas tinha-nos transformado, de alguma maneira, a um nível muito profundo. A mim pelo menos, e creio que para a Toshie também. Mas um coisa boa do Caminho é que, quando quisermos, ele está sempre à nossa espera para nos tocar e transformar. Basta apenas querer...
Percebi e senti que na verdade, sou um peregrino da vida, pois esta é uma maratona e que se confiarmos no tempo, chegaremos inevitavelmente ao nosso destino. Tempo esse que é remédio intemporal para a cura da mente, do coração e assim, da alma.
Compreendi também que é importante levarmos a vida com a confiança em algo superior a nós, pois em alturas de dificuldade, é o que nos mantém a andar.
A vida é incrível na sua simplicidade, e amar também!
Quanto postei as fotos da minha chegada a Santiago num grupo do facebook de peregrinos, alguém me deu os parabéns e rematou:
- "Mais importante do que contar km, é fazer com que eles contem."
Sim, é importante viver a viagem e aproveitar o caminho, ao invés de estar focado no destino.

Uma coisa que não posso deixar de notar foi o apoio incondicional das minhas primas, tias e alguns amigos. Sabendo eles que me encontrava num momento de desafio profissional e pessoal, assim que lhes disse que me ia despedir e vinha fazer esta peregrinação e outras viagens até final do ano, o que senti imediatamente foi o apoio, o respeito pela minha decisão e o amor incondicional deles. Em todas as etapas do Caminho, foram sempre sabendo como eu estava, como estava a correr e uma força constante para continuar até ao fim. Não sei se sem elas, teria conseguido. De certa maneira parece que carregava a força de todos eles, que eles também queriam fazer este percurso porque lhes traria alguma paz e que de alguma forma, eu era o veiculo para isso acontecer.

O que sentes no Caminho?
O que levas no Caminho?
O que deixas no Caminho?
Quando nos lançamos rumo a um objectivo, ou a uma viajem espiritual, é inevitável aparecerem mensagens ou lições que servirão como guias na nossa vida actual ou num qualquer momento no futuro. Deixo-te aqui algumas das que apanhei:
Caminando... Se hace el camino al andar.
Quando as pernas se cansarem,
que o coração te leve.
Se quieres ir rápido, ves solo.
Si quieres llegar lejos, ves acompañado. 



"Never walk alone."

"No pain, no glory."

" No sueñes tu vida, vive tu sueños."







ULTREIA:  do latim. Vai em frente, mais além, coragem!
SUSEIA:     do latim. Vamos lá!
Peregrino:   Pessoa que viaja no estrangeiro a lugar santo por devoção ou promessa.
Peregrinar: Despojo material para partir em busca do auto-conhecimento, espiritualidade e fé. Ir mais além com coragem e determinação para purificar a alma.

Assim, Ultreia e Suseia são mais do que uma saudação, é também uma confraternização entre seres humanos na busca permanente da sua razão de ser e estar no mundo.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 11

Santiago (25,7km)

Último dia da etapa.
Em Padrón, o albergue municipal foi o menos recomendável de todos desde o inicio de todos, chuveiros sem pressão e cozinha sem frigorífico. Mas, não faz mal, o importante é a jornada, a camaradagem, o espírito da partilha e olhando para trás, tudo tem piada na verdade. Parece que somos reduzidos à mais básica das sobrevivências, todos nós. É como se fossemos todos iguais e neste aspecto, ninguém é superior a ninguém.
Comecei o caminho sozinho, a meio da noite pois em Espanha amanhece mais tarde. Caminhei na escuridão sem medo, mas sempre que me sentia a vacilar, recitava o Salmo 23:4:

"Ainda que eu atravesse o vale da sombra da morte,
Não terei receio de nada,
Porque tu Senhor, estás comigo.
O teu bordão e o teu cajado dão-me confiança."

Parei perto das 8:30h para comer quando ainda faltavam 8km. Aí, uma senhora asiática meteu conversa comigo por causa da minha tatuagem do braço. A Yvonne, acabou por se tornar a minha companheira até ao fim. Descobri que nasceu em Taywan, tem 50 anos e juntamente com o marido tiveram um negocio de gelados durante 10 anos. Venderam-no e a Yvonne reformou-se, o marido por opção continua a trabalhar. Têm uma filha com 19 anos a viver na Alemanha e pensam comprar uma casa no Porto para ficarem mais próximo dela. 
Falámos de muita coisa, do Japão, da espiritualidade, reencarnação, relacionamentos amorosos e familiares. Na questão dos familiares, falei sobre a questão dos meus pais não me amarem e que é importante eu os perdoar. Ela ouviu com atenção e entendeu perfeitamente o que quis dizer e depois sugeriu que, ao invés do perdão, porque não jogar com as expectativas? Pedi para elaborar e ela comentou que a razão para o meu relacionamento não emocional com os meus pais é porque eu deposito as minhas expectativas em como eles deviam ser pais melhores. Pensei naquilo... Depois disse 
- "Os teus pais não te podem amar se nunca foram amados, por isso vive a tua própria vida e aprende a amar tu, para quando tiveres filhos tornares as vidas deles melhores do que a que tu tiveste, ao não cometeres com eles os mesmos "erros" que foram cometidos contigo. E talvez assim, as vidas deles possam ser 10% ou mesmo 20% melhores do que a tua foi, e os filhos deles talvez tenham mais 10% ou 20%. Já imaginaste como será a tua família quando chegarem aos 100%? E tudo isto parte de ti." 
Fez sentido...
Chegámos finalmente à Catedral e pedi à Yvonne para me tirar algumas fotos. Assim foi e depois nós dois em conjunto. Fomos buscar a Compostela e fui para o Albergue, nunca mais vi a Yvonne. Tomei um duche e saí para almoçar em direcção à Catedral, e naquele momento senti que havia algo dentro de mim que precisava sair e esse sentimento aumentava à medida que me aproximava da Catedral. Sentei-me por alguns momentos a observá-la e as lágrimas saíram. Lágrimas de alegria, raiva, frustração, realização,... O que vinha constantemente à cabeça era "Conseguiste. Parabéns, conseguiste."
No fim do almoço, fui à Catedral dar um abraço a Santiago. Agradeci o facto de me ter ajudado a chegar ao meu destino em segurança e sem mazelas, com fé, coragem e persistência. Pedi para até à próxima vez que nos encontrarmos, que me ajude a manter a fé, a coragem, a determinação, que esteja mais em paz comigo e ainda mais humilde.
Voltei ao albergue para uma sesta de 3h e depois fui jantar, voltei ao albergue novamente e descansei para um novo dia. Antes de adormecer contudo, veio a mim um sentimento de, melancolia talvez? Ou antes "Agora que fiz isto, o que faço agora?"

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 10

Padrón (19km)

Hoje, arranquei de Caldas de Reis em força. Marquei o meu ritmo e parei para tomar café ao fim de 5k. Assim que me pus a caminho novamente, apenas parei no destino. Como o tempo estava convidativo não fiz a pausa dos 10k. Assim que cheguei, aguardei até duas horas até à abertura do albergue, entrei, tomei banho, fui almoçar e explorar um pouco a cidade. Voltei ao albergue algum tempo depois para dormir uma sesta e depois voltei a explorar a cidade. Fui a supermercado comprar o jantar e preparei-me para ir descansar, para a ultima etapa do percurso. A Tânia e a Rafaela acabaram por vir para o albergue municipal, ao invés do privado de Herbon. Eu e a Tânia acabámos por falar um pouco e sinto que as coisas ficaram mais equilibradas.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 9

Caldas de Reis (22,7km)

Hoje iniciei o caminho  com o grupo do costume e desta vez veio connosco a Estefânia, com quem já nos tínhamos cruzado varias vezes. Ela é alemã, tem 31 anos e trabalha como Project Manager numa empresa de estudos de mercado. Senti o grupo estranho para comigo excepto a Rafaela e a Estefânia, Acelerei passo e parei num café para tomar o pequeno almoço. Entretanto chegam as meninas e após ter sido atendido, a Eduarda vem sentar-se à minha mesa e o resto da malta seguiu-se. conversámos numa boa e correu tudo bem, parece que às vezes apenas é preciso dar tempo às pessoas para que elas organizem as suas cabeças e "voltem ao mundo". É importante não personalizar constantemente as coisas e pensar que tem tudo a haver comigo.
A Eduarda contou uma historia do Caminho Francês, onde um rapaz começou o Caminho desde a Dinamarca e encontrou a sua cara-metade que era da Holanda. Ambos alteraram os seus planos iniciais após chegarem a Santiago e abriram um albergue para peregrinos. Uma história de amor do Caminho.
Anyway, a Estefânia tinha reservado um albergue privado para nós. Apesar de ter apreciado a iniciativa, não gostei de não ter sido consultado. De qualquer das formas cheguei, tomei banho e fui almoçar com a Rafaela. Para o jantar comprei hambúrgueres de frango, 500g de massa, 6 ovos, margarina e um pacote de bolachas por 5€, ou seja, tinha jantar e pequeno almoço por menos de metade do valor do que se fosse jantar fora. Depois da janta, fui ter com as meninas e o John (um irlandês) a um bar perto do albergue beber uma cerveja e depois, viemos embora. Elas tinham combinado ir para Herbón, a localidade antes de Padrón e eu aproveitei a oportunidade para seguir o meu caminho sozinho. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 8

Pontevedra (12km)

Hoje, o dia foi curto. Fiz apenas 12km até ao albergue municipal. Arrancámos juntos novamente mas após 1km parámos para tomar café. Quando acabei, senti que deveria arrancar sozinho e assim o fiz. Encontrámos-nos novamente já perto do albergue e senti-me feliz por ter feito esta etapa sozinho. Talvez faça o mesmo amanhã.
Curioso que este grupo não se juntou por obra do acaso. Todos nós tivemos dificuldades na infância, especialmente com um ou ambos os nossos pais. É incrível como o Universo junta as pessoas baseado naquilo que mais intimamente as liga, é mais um comprovativo de que nada é por acaso e que tudo tem uma razão para acontecer. Talvez nos tenhamos juntado por alguma razão que ainda está para me chegar. Quiçá perceba isso durante o Caminho.
Fomos almoçar juntos e explorar Pontevedra que é uma cidade muito bonita repleta de monumentos muito antigos.

domingo, 25 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 7

Soutexuste (20km)

Hoje saímos cedo de Porriño. Fui mais consciente das limitações da minha perna por isso fui a um ritmo mais calmo, contudo, começou a doer novamente. Tentei compensar com a perna esquerda e acabei por ter uma inflamação bastante debilitante no músculo tibial. Parece que Deus está a por a prova a minha determinação, e penso que Ele não me vai deixar chegar ao fim com a maior das facilidades... Também, o que poderia fazer agora? Abandonar tudo a pouco mais de 80km do fim? Desistir? NEM PENSAR!!! Simplesmente não é uma opção... Terei simplesmente de continuar até chegar ao fim, custe o que custar!
Acabámos por dormir num albergue privado em Soutexuste. O dono Miguel, aparentemente um jovem com pouco mais de 35-40 anos, presta-nos o serviço mais incrível de sempre: Primeiro levou a mala para o quarto de toda a gente, depois disse para nos servirmos do que quisermos e pagar no final. "Faz de conta que esta é a tua casa.", dizia repetidamente. Sentia-se claramente que o serviço era de longe mais importante para ele do que o dinheiro entendes?
Eu, a Eduarda, a Rafaela e a Tânia continuamos juntos. Honestamente, creio que dentro em breve terei que me separar, pois sinto que isto já não está a ser uma viagem pessoal. Sinto que encontrei um grupo, colei-me (ou colámos-nos ☺) e agora tomamos decisões em conjunto. Não foi propriamente para isto que vim... Apesar de haver momentos no caminho em que viajo sozinho, o facto de saber que irei encontrar o grupo outra vez, não me deixa muito confortável. É suposto a viagem ser uma descoberta onde as pessoas passam por nós. No strings attached durante a viagem, sem compromissos. Claro que após isso as relações podem colar mas no momento, se me apetecer ir jantar com o grupo vou, se me apetecer ir sozinho vou. Há que aprender a ser fiel comigo mesmo e com o que sinto, sem pensar no que os outros vão achar da minha decisão, e por vezes isto nem sempre é fácil. Somos seres sociais e queremos estar com pessoas, mas isso nunca deve sobrepor-se ao que sentimos que é o certo a fazer naquele momento.

sábado, 24 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 6

Porriño (17km)

Hoje foi um dia complicado. Descansei bem, levantei-me cedo e pus-me a caminho ainda a meio da noite, apanhando a Tânia e a Rafaela. A perna mal me doía e por isso decidi seguir o passo delas, o que se revelou um erro. Quantas são as vezes em que preciso aprender esta lição na vida: Se quero seguir alguém óptimo, no entanto é importante ir no meu próprio passo pois na vida em geral, todos temos ritmos diferentes.
Quando chegámos a Porriño, a Eduarda estava connosco e fui tomar o pequeno almoço com ela, e juntou-se a nós o Sohei, um japonês que veio do Japão para fazer o Caminho. Fiquei a saber que trabalhou numa empresa onde, apesar do contrato dizer especificamente que a hora de entrada é às 10h, ele era chantageado a entrar duas horas mais cedo e a sair às 22h-23h da noite (momento em que vão beber copos com o patrão) sob pena de ser despedido. A viver sempre de noite, adoeceu passado um ano e despediu-se. Meu Deus, isto é desumano. E quando penso que estou mal... Algo semelhante aconteceu com a Eduarda. Aparte dos afazeres diários ainda tinha que responder no próprio dia, a 50% dos 150 emails que recebia. Claro, também não demorou muito a fazer algo por ela...
Quanto à Tânia, depois dos banhos fomos todos almoçar. Confessou que teve uma operação na qual retiraram 40-50cm do intestino delgado, devido ao facto dele ter dado um nó que originou cancro. Esteve 2 meses em recuperação fora o tempo no hospital, mas saiu por cima. Nada mau para quem esteve às portas da morte e hoje está feliz com a vida. Podia ter-se tornado uma vitima...Sente-se mesmo que é de facto uma mulher forte, independente e determinada.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 5

Tui (19km)

Mais uma noite bem dormida. Com os comprimidos Voltaren senti que a perna melhorou imenso.
Preparei a mochila e pus-me a caminho para Tui. Os primeiros km correram bem, depois vieram novamente as dores e agora cada vez que vêm, parece que é com mais força. Cheguei a Valença do Minho e aproveitei para tomar o pequeno-almoço e descansar a perna por uns momentos, e depois voltei a por-me a caminho direito às muralhas da cidade. Existe tanta vida no interior que é incrível, e não consegui desfrutar plenamente devido às dores, pois só me apetecia chegar ao destino rapidamente para descansar. A beleza contudo era indescritível...
Anyway, passei a ponte de Valença para Tui e fui para o albergue. Ao chegar, encontrei a Tânia e a Rafaela à espera. Tomei banho e fomos os três dar um passeio por Tui. Sentámos num café, relaxámos, conversámos, ligámos... 
Descobri que ambas vieram de Angola para Portugal na altura dos refugiados e que neste momento estão ambas em Londres a trabalhar. Uma coisa interessante é que a Tânia também escreve num diário, ela diz que a ajuda a cooperar com determinadas situações complicadas na vida que ela não quer contar a ninguém. Também escreve poemas e outras coisas que a impressionam, mas o mais importante é que ela revelou que as entradas que tem no seu diário de há uns anos atrás, revelam uma pessoa diferente da de hoje, para melhor. Em 12 anos que que comecei o hábito do diário que nunca tinha conhecido ninguém que usasse um (excepto os amigos que tivemos uma experiência em comum) e ainda para mais com resultados tão interessantes... Fico contente por saber que continua a funcionar na vida dos outros.
Antes de irmos jantar, um senhor de idade abordou-nos à entrada do albergue e quis ir oferecer-nos um refresco. Lá fomos e descobri-mos que o Sr. Vicente é espanhol e fala 6 línguas, é reformado da Marinha Mercante, que viaja pelo mundo, tem um barco, e uma auto-caravana onde reboca uma mota. Viveu 3 anos em Nova Iorque e descobrimos que a razão pela qual nos fez o convite, era porque era o seu 79º aniversario. Há uns anos atrás teve cancro na próstata, vence-o e desde aí que mudou o seu estilo de vida. Deixou de comer carne, queijo, enchidos, fumar e beber álcool. 
Demonstrou ser uma pessoa bastante alegre e divertida e fico feliz por saber que nunca é tarde para mudarmos os nossos hábitos para melhor.
Anyway, fomos jantar todos juntos e a nós veio ter a Eva, que é uma International Business Developer numa empresa de equipamentos médicos. Uma pessoa bem humorada, de uma doçura incrível e maturidade impressionantes. A Rafaela foi embora descansar e nós ficámos os três a falar pelo menos 2h. Embora não aparente, a Rafaela tem uma historia de vida problemática e ficámos parte do tempo a falar disso. Aparte da historia dela senti-me muito bem ao conversar com estas duas mulheres adultas e maduras, rimos, brincámos, foi incrível. Não me lembro da última vez que tive um debate acerca de life issues com mulheres.
Existe algo que me tem acompanhado desde o 1º dia do Caminho e isso é o refrão da música "Last Ride of the Day" dos Nightwish:
"Once upon a night, we´ll wake to the Carnival of life.
The beauty of this ride ahead, such an incredible high.
It´s hard do light a candle, easy to curse the dark instead
This moment, the story of humanity,
The last ride of the day 
The last ride of the day."
Sinto que se aplica a este momento que vivo na minha vida. Tal como diz a 1ª linha do refrão: "Numa qualquer noite, iremos acordar para o Carnaval da vida", ou seja, para a diversão da vida, para viver. Sinto que foi o que aconteceu comigo, deixei o conforto da minha vida e decidi ir viver. 
A 2ª linha indica "A beleza da jornada que se avizinha é de uma emoção incrivel". Sinto que isto significa que o futuro é promissor e que vai valer a pena. 
Depois diz que "É difícil acender uma vela e é mais fácil amaldiçoar a escuridão." Interpreto isto como sendo de facto difícil tomar consciência de que é preciso ser eu a mudar, e que é mais fácil olhar para fora e criticar. 
De seguida diz que "Este momento é significativo na história da humanidade". Concordo, a humanidade é composta por cada individuo que quando tomar consciência de que vai e tem que mudar, a humanidade muda por completo.
Para concluir, diz que "É a ultima jornada do dia" em duplicado. Sinto que no fim do dia, contas feitas, tenho que ser eu a tomar consciência das minhas atitudes e reacções por forma a estar em paz comigo e com o mundo.
Quando isso acontecer, a partir daqui a viajem começa a valer a pena.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 4

Rubiães 19km

Esta noite dormi bem, tive que usar protector de ouvidos mas funcionou. Apesar do banho no rio e do descanso, o corpo ainda estava moído e levantei-me com dores. Um agouro para a prova de fogo do Caminho Português, a Serra da Labruja. Tomei o pequeno almoço e pus-me a caminho a um bom passo. Estava a correr bem quando aos 5k começam os desafios; um calo a chatear-me num pé esquerdo bem como o joanete, e na perna direita uma lesão muscular qualquer que me dificultava as subidas e descidas. Aparentemente o esforço do dia anterior tinha sido demasiado e fui além dos limites. Pensei como é que me iria safar na subida que ainda me esperava, ou seja, não conseguia dobrar a perna a 90º e muito menos apoiar-me nela para subir. Pensei, "Uso o apoio dos bastões para subir, uso a perna esquerda, vou devagar e eventualmente hei-de chegar ao topo". Funcionou e quando cheguei, havia uns tanques com agua de uma nascente à minha espera para me refrescar. Enfiei-me lá para dentro e fiquei novamente de molho uns 15min na esperança que a água fria fosse  desinflamar a minha perna. Saí e comecei a preparar-me, pus-me a caminho outra vez e assim que coloquei a mochila e dei o primeiro passo, vi que chegar a Rubiães iria ser um desafio maior do que pensava, e ainda por cima agora tinha de descer. Tinha que arranjar maneira de descer em segurança, nem que tivesse que dar passos de bebé. "Quando chegar a terreno plano vai ser melhor", pensei. A custo, conseguir ir descendo, sentindo uma picada a cada passo que se tornava cada vez mais insuportável. Ao acabar a descida, encontrei uma farmácia e comprei um anti-inflamatório. Cheguei ao albergue pouco tempo depois, fui lavar a roupa, tomei banho, almocei e fui descansar. A perna está melhor e assim espero que fique, pois amanha vou directo a Porriño e para fazer os 37km, há que estar em forma. Uma coisa interessante que me tenho apercebido ao fim destes dias, é o facto de toda a gente lavar a roupa nos tanques. Apesar de que seria mais fácil meter na maquina de lavar, mesmo sendo a pagar. E como não sabemos quem está ao nosso lado, podemos estar a pendurar a roupa ao lado de alguém que ganha o ordenado mínimo, de um empresário, ou de um milionário. Não há forma de saber porque o Caminho apenas se preocupa em unir pessoas, e não em tabelá-las segundo posição social, nível de rendimentos ou qualquer outro tipo de classificação disponível, e assim sem filtros, damos-nos mais uns aos outros e aprendemos mais uns com os outros.







quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 3

Ponte Lima (36,5km)

Mais uma noite em branco e assim torna-se complicado para o corpo recuperar. No entanto, saí de casa com confiança de que o caminho ia correr bem. Enganei-me... Tive de parar pouco tempo depois de começar, pois aparentemente negligenciei um principio de joanete no pé esquerdo. Resolvi e pus-me a caminho até aos 10k, fiz uma pausa e depois iniciei marcha para mais 12k. 
A meio da manha senti que devia enviar uma mensagem ao grupo do Vairão. Sabia que íamos ter dias difíceis pela frente e assim, pelo WatsApp, fiz um video com o poema "Carry On" de Robert W. Service. Senti no final que, talvez o video de incentivo fosse inconscientemente para mim também...
O calor estava a apertar imenso e fui "forçado a parar", acabando por almoçar para recuperar energias em Tamel. Ainda tinha 14,5km para fazer debaixo de um calor incrível, então decidi partir o "bolo a meio" e fazer 8k, parava e depois fazia os restantes 6,5km. Quando chego aos 30km, não vi uma ponta de sombra para me refrescar e assim continuo a andar até que pergunto onde encontro um café. Disseram 500mt, ficou a 1km. Pouco mais à frente vejo um sinal a dizer "Ponte Lima 1km" e penso "Vamos a isso." Após chegar a ponte de Lima ainda tinha que chegar ao albergue, senti que conseguia, então avencei. 
O problema de andar com os pés doridos não existe desde que seja em terreno plano e, não foi o caso. Aliás, não podia haver terreno mais irregular...Meu Deus, cada passo parecia que levava uma martelada nos pés. Ansiava por uma pausa mas tinha de continuar e assim foi. Andei, andei até chegar à lindíssima vila de Ponte de Lima. Quando cheguei ao albergue, a primeira coisa que fiz foi ir mandar um mergulho ao rio, pois com os músculos incrivelmente doridos senti que ficar de molho era a melhor coisa que eles precisavam e mereciam. Saí, fui tomar um duche, jantar e voltei ao albergue, estava moído e dorido. Conseguir ir dormir às 22h e aproveitar para recuperar.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Caminho Santiago - Day 2

Barcelos (28km)

A continuar a conhecer pessoas novas, é incrível. Foi uma etapa dura esta até ao Albergue de Barcelos, cidade que descobri já ter visitado quando vim ter com a minha mãe a Braga, a casa da amiga dela Paula.
Foram quase 30km ao calor, contudo viajámos todos juntos (Fabiano, Alexandra, Estefanio e Claudia). No final desse dia fomos à bênção do peregrino na Igreja de Santo António. Foi uma missa tradicional e no final houve um momento onde fomos abençoados para o Caminho por parte do padre e do Frei. Senti-me em comunhão com Deus naquele momento e senti que tudo ia correr bem no meu Caminho, que ia chegar em segurança. Vieram-me as lágrimas aos olhos...

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Volto já... Take One

No seguimento da minha tomada de decisão e do poder libertador que veio com ela, decidi que o meu primeiro destino seria percorrer o Caminho Português de Santiago. 
Há 3 anos atrás, uma amiga tinha-me sugerido que o fizesse (ela fá-lo seguido há quase 20 anos) pois além de todos os benefícios físicos que daí advêm claro, o mais importante era a parte espiritual. "Andares longas distâncias a pé é como meditares a andar.", foi o mote que ela deu na altura e que perdurou tantos anos na minha cabeça ao ponto de o considerar. Sem mais demoras tratei de adquirir equipamento, comprar bilhetes de comboio e expresso, e começar a treinar com viagens a Fátima, sozinho e acompanhado. Pessoalmente, prefiro ir sozinho...Um bom amigo na vida não o é necessariamente para uma viagem. 
Finalmente, estava pronto e arranquei...
Arranque da Estação CF de Pombal.
A partida da Sé do Porto.














Caminho Santiago - Day 1 (Mosteiro Vairão) 25km


Aparentemente existem 2 caminhos principais: o Central e o da Costa (junto ao mar). Foi um desastre para sair do Porto, algumas setas iniciais ao sair da Sé, mas depois estradas em construção e setas desaparecidas. O que vale é que quem tem boca vai a Roma e após pedir direcções, voltei a encontrar o Caminho. Fui sempre sozinho e aproveitei a oportunidade para "meditar a andar" e pus-me à conversa com Jesus Cristo. Desta vez (sim porque houve outras), as minhas questões foram diferentes. Perguntei:
1 - Porque estou a fazer estas viagens?
JC: A razão pela qual eu e o Pai decidimos atribuir-te estas tarefas foi porque vimos que a tua vida estava a ir parar a um beco sem saída. Estavas a sofrer muito por causa do relacionamento em que tiveste durante 8 anos e quando o acabaste. A tua carreira profissional estava a "bater no fundo" com os 4 trabalhos que tiveste em ano e meio, e sentimos-te perdido... Precisavas de uma pausa para te afastares de toda a negatividade, desespero silencioso e agitação interior que estavas a sentir. É importante reequilibrares-te, curares o teu coração e descobrires quem és novamente. 
2 - O que faço relativamente ao meu futuro profissional? Estou confuso se me lanço num projecto sozinho ou por conta de outrem novamente, é que desejo muito ser livre de patrões
JC: Eu sei disso, contudo não estas mental ou emocionalmente preparado para te lançares full-time num projecto que nem sequer sabes como começar. Não tens quaisquer planos ou objectivos traçados nem sequer sabes as razões pelas quais o queres fazer. Por isso, nos intervalos das tuas viagens vais enviar CV´s para algumas das empresas com que te identificas. Nessa lista de empresas, vai estar aquela com a qual te vais sentir feliz e realizado para os próximos 10 anos. É a nossa escolha... Simplesmente confia em nós e tudo correrá bem. Lembra-te, nós amamos-te e queremos o melhor para ti. Esta oportunidade tem os rendimentos e os benefícios que entendemos ser o indispensável para recomeçares a tua carreira com dignidade e confiança. Fica tranquilo que é muito mais que o ordenado mínimo. 
Depois, em part-time, recomeças o teu curso de finanças pessoais. Tenho que te relembrar de que esta é a tua missão? Existem milhares de pessoas à espera da tua ajuda. Eu sei que tens medo ser rejeitado e fracassar. Simplesmente dá vida a essa ideia e depois logo se vê como as coisas correm. eu sei como vão correr, mas não te posso dizer.
3 - E quanto à próxima casa onde vou viver? Sabes que preciso sair de onde estou.
JC: Sim, eu sei disso. Tudo isso está a ser preparado para ti. Assim que começares a trabalhar, nós decidiremos quando enviar a casa ideal para ti e para a Maggie a um preço que te permite sobreviver e prosperar, através do consultor imobiliário. Uma coisa de cada vez, não te apresses.
4 - E quanto à minha futura mulher e família?
JC: Sabes tão bem quanto eu que ainda não estás resolvido, mas isso está mais breve do que imaginas. Na altura certa colocaremos a mulher com quem vais casar e amar para o resto da tua vida, ser feliz e formar a família que tanto desejas, no teu caminho.
Ela já está à tua espera somente a aguardar que estejas pronto para a receber. 
5 - E quanto aos meus pais? Sabes que são tóxicos e que continuam a julgar-me e a criticar-me pelas minhas decisões, e que inconscientemente ainda desejo obter o seu reconhecimento e aprovação?
JC: Frederico, o único reconhecimento e aprovação que precisas é o meu e o do teu Pai nos Céus. Nós é que tomamos conta de ti na verdade, por isso os teus pais fizeram o melhor que sabem com o que aprenderam. Quanto aos julgamentos e críticas, quando voltares das tuas viagens sabendo quem és, vais saber exactamente o que dizer e fazer. Perdoa-os e segue o teu caminho. Deixa-te de desculpas e põe mãos à obra, tens muito que fazer com os planos que temos para ti.

Continuando no Caminho, reparei que a vasta maioria das setas está à altura dos olhos. Penso que isto possa ser uma metáfora para a vida, "Sempre que seguires de cabeça levantada, sabes para onde ir." Mais tarde, apanhei no caminho um casal jovem alemão (Júlio e Michele). Parámos para beber uma cerveja e depois acelerei o passo e encontrei um casal de brasileiros (Rodolfo e Clara), que vieram de São Paulo para fazer o Caminho. Ao final do dia juntámos-nos no Mosteiro do Vairão, onde fiquei a conhecer o Fabiano, a Alexandra e um casal (Cláudia e o Estefanio cujo pai biológico tem raízes portuguesas), todos alemães. Conheci a Jessica do Canadá e a Toshie do Japão mas que vive em Boston. Juntámos-nos todos ao jantar a beber vinho, a socializar, e a travar amizade. Estavam lá também dois casais polacos e um inglês. A diversidade cultural foi incrível e desfrutei de cada momento.
No dia seguinte o alarme tocava às 7h para o segundo dia do Caminho.